A noite havia caído há algum tempo. Uma noite como todas as outras, exceto pela briga com a namorada. Na tarde do mesmo dia eles haviam discutido por insignificâncias. Ele havia saído com os amigos para algumas bebedeiras e agora tentava justificar-se para a amada. Ele fedia a vodka e seu hálito lembrava vômito, ela, cheirava a ira e insegurança.
Mas agora tudo já passou. Ela saiu em passadas largas e ao bater a porta da sala, prometeu mais para o dia seguinte. Ele sentia ainda muitas náuseas e desejava intensamente livrar-se daquele gosto agridoce da boca. A casa estava uma bagunça, havia adiado o dia de limpeza para sair com os amigos. Deveria ter ficado em casa mesmo – pensa arrependido. Agora só lhe resta descansar, amanhã é dia de trabalho e não vai querer receber advertências do chefe.
O apartamento, alugado com esforço, é pequeno, mas é bem dividido. Uma sala, uma cozinha, um quarto e uma área de serviço, pronto, ele não precisa de mais nada. Às vezes fica pensando em como seria morar em uma casa grande e isolada, só assim poderia tocar sua guitarra sem que os vizinhos reclamassem.
Ainda procura arrumar alguma coisa, mas desiste logo. Nesse momento o que ele mais quer é dormir e deixar os problemas de lado. Logo, joga-se na cama desarrumada e rapidamente cai num sono profundo. Sonha com sua mãe, já falecida, e por alguns instantes revive os tristes momentos em que a assistia ser agredida pelo marido bêbado. Revira-se na cama e logo desperta. Uma dor fina parte sua cabeça ao meio e um gosto amargo reina em sua boca, acompanhado de muita sede. Ele coça os olhos e levanta com dificuldade. A escuridão impera no quarto, exceto por alguns raios de luz que emergem das venezianas empoeiradas da sua janela. Ele sai cambaleando em direção à cozinha. Ávido por água, ignora todos os interruptores de luz e dirige-se o mais rápido possível à geladeira.
Ao alcançar finalmente o seu objetivo, percebeu algo estranho disposto na área de serviço, agora localizada há uns dez metros à sua frente. Um vulto emergia das trevas com a ajuda da luz da lua. Aproximou-se cuidadosamente, e tremeu quando avistou o que parecia ser um humanóide baixo e esguio olhar fixamente para ele. A criatura tinha olhos negros e opacos, um pescoço comprido, membros e dedos finos e longos. A tal figura ainda parecia segurar firmemente o pescoço com as duas mãos, como se tentasse enforcar-se.
A primeira coisa que lhe veio a cabeça foi que estava alucinando devido ao álcool, mas a criatura estava ali, olhando-o firmemente. Procurou forças para reagir, mas não obteve êxito. Não conseguia dar passo algum, estava paralisado de horror. Entretanto, sua cabeça trabalhava a mil, mas não conseguia concentrar-se. Sentia-se fraco e impotente, e antes que perdesse totalmente suas forças, conseguiu acender o interruptor ao seu lado. Por um breve momento a luz feriu seus olhos, deixando-o encandeado. Aos poucos conseguiu averiguar melhor a seu redor, mas a suposta criatura havia sumido sem deixar rastros.
Ainda pensou em voltar a dormir na casa de algum amigo, mas já era tarde. Também sabia que seria motivo de brincadeiras por toda a turma se tentasse explicar-se. Pensou em como seria bom se não tivesse discutido com sua namorada. Coçou a cabeça ainda doída, acendeu todas as luzes e voltou pra cama, agora fria.